Pesquisar este blog

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

"Natal Nordestino"



... Em Alagoas, desde a chegada dos colonizadores portugueses, o pastoril encontrou solo fértil, onde até hoje brota a tradição. Durante todo o século 19, da mais distante cidade do interior ao mais movimentado centro urbano - na época, a capital Marechal Deodoro - a terra vermelha do massapê, banhada pelo azul intenso do mar, foi palco de incontáveis disputas entre os cordões azul e encarnado. A brincadeira que nasceu num mosteiro, segundo o poeta Mário de Andrade, ganhou ares profanos com o passar das décadas e promoveu, em meados do século passado, ferrenhas discussões entre respeitados estudiosos da cultura popular acerca dos caminhos que o pastoril tomava em cada Estado do Nordeste, principalmente em Alagoas e Pernambuco, onde estaria maior representado.

Apesar dos rumos diferenciados que o pastoril seguiu, nos diversos povoados do Nordeste, os pesquisadores costumam dar a mesma versão para a origem e o significado da manifestação folclórica. De acordo com Mário de Andrade, a primeira idéia de representar o nascimento do Menino Jesus foi do monge Tuotilo, ainda no século 10. Primeiro chamada de Presépio, a dramatização da chegada do filho de Maria a Terra fragmentou-se com o tempo, transformando grande parte do espetáculo em jornadas soltas, canções que contam a aventura das pastoras em direção a Belém para visitar Jesus Cristo na manjedoura.

Com a difusão do pastoril no Nordeste, ao longo dos anos cada grupo adaptou a sua apresentação. Alguns personagens se tornaram fixos, como a mestra, líder do cordão encarnado; a contramestra, líder do cordão azul; a Diana, que dança no centro e é sem partido; e as pastorinhas, geralmente seis de cada cordão. As jornadas também sofreram adaptações, permanecendo iguais apenas as chamadas “jornada de chegada” e “jornada de despedida”. A representação da borboleta, da cigana, do pastor e do anjo Gabriel é comum entre os grupos e simbolizam as figuras que as pastoras vão encontrando no caminho até Belém. Algumas para ajudá-las e outras, para atrapalhar a marcha.

Ao conversar com pessoas que dedicam suas vidas para conservar o pastoril em Alagoas, a impressão que dá é que elas mantêm um elo sagrado com seus ancestrais - um canal por onde se alimentam de entusiasmo e da certeza de que estão cumprindo o seu papel para firmar e, sobretudo afirmar, sua identidade cultural. Apesar da falta de apoio institucional e das deturpações promovidas pelas mudanças do comportamento humano, estas manifestações chegam aos dias atuais com diversas características ainda conservadas.

O brincante alagoano Romildo Manoel da Silva, declara emocionado o amor pela cultura popular e diz: “Quando a gente ia se apresentar na Praça da Faculdade cobravam até ingresso. O palanque era grande, todo enfeitado, chamava atenção. Hoje quase não temos mais lugar para o pastoril. Ninguém dança mais na véspera de Natal e nem no dia 31 de dezembro. Antigamente, antes da missa do Galo, o pastoril fazia a festa na frente das igrejas. Eu começava às oito da noite e só terminava lá para uma da manhã. Rompia ano novo no palanque. Agora, se muito a gente toca é uma hora, 50 minutos. O pessoal não quer mais pastoril, quer somente uma demonstração”, lamenta.
Para tocar as jornadas do pastoril, Romildo explica que é fundamental um instrumento de sopro e o surdo. “O surdo marca o ritmo e o sax ou o trombone acompanha o canto”. O segredo da preferência dos pastoris por sua banda, o músico revela: “Eu não faço nada com preguiça. Eu gosto de tocar. Tudo o que eu faço é rindo".

Fonte: Trechos da matéria publicada na Gazeta de Alagoas em 03 de novembro de 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...